quarta-feira, 11 de julho de 2012

Enunciados Autorrefutáveis


Por John M. Frame

[“Enunciados Autorrefutáveis” para InterVarsity Press Dictionary of Apologetics]

Diversos tipos de enunciados têm sido descritos como “autorrefutáveis”:

(1) Contradições Lógicas, tais como “Sócrates é mortal e Sócrates não é mortal”. Se as duas ocorrências de “mortal” nesse enunciado são predicados de Sócrates ao mesmo tempo e ao mesmo sentido, então o enunciado não pode ser verdadeiro. A primeira sentença refuta a segunda e vice-versa.

(2) Alguns enunciados autorreferencias, ou seja, enunciados que se referem a si mesmos, são autorrefutáveis, tais como “todo enunciado é falso”. Se esse enunciado é verdadeiro, então ele é falso.

(3) Alguns enunciados refutam a si mesmo, não por causa de seu conteúdo explícito, mas por causa daquele que o pronuncia. Um exemplo é “eu estou mentido agora”. Geralmente, não existe contradição envolvida em alguém dizer que está mentido. Substitua a primeira pessoa pela terceira, “ele está mentido agora”, e a contradição desaparece. Mas, na primeira pessoa, o enunciado é autorrefutável porque o próprio ato de afirmar algo envolve uma pretensão de estar dizendo a verdade. Então, “eu estou mentido agora” significa, de fato, “eu estou falando a verdade e eu estou mentido agora”, que é uma contradição.

(4) Existem outras formas “práticas” de autorrefutação que pertence mais ao falante do que às próprias palavras que ele profere. Se uma pessoa diz que odeia feijão, mas ele se empanturra com muito feijão, os observadores podem muito bem alegar que seu comportamento refuta sua declaração. Seu enunciado em si não autorrefutável, mas, num sentido importante, o enunciado tem refutado a si mesmo.  Argumentar contra tal prática autocontraditória é, claro, argumentar ad hominem.

(5) Algumas teorias filosóficas podem ser ditas autorrefutáveis porque elas criam condições de significado, racionalidade e/ou verdade que elas em si mesmas são incapazes de cumprir. Ludwig Wittgenstein em seu Tractatus Logico-Philosophicus, por exemplo, francamente admite no final que as proposições de seu não ajustam ao seu próprio critério de significado.[1] Então, ele sugeriu que tais proposições eram uma espécie de escada que se joga fora depois que se usa para chegar a um ponto mais vantajoso. Posteriormente, os Positivistas Lógicos insistiram que um fragmento da língua não pode, significativamente, estabelecer um fato empírico (verdadeiro ou falso) a menos que fosse empiricamente verificável por métodos semelhantes aos da Ciência Natural. Mas, muitos perceberam que este “princípio de verificação” em si não poderia ser empiricamente verificado dessa forma.  Isso levou ao fim do positivismo lógico como um movimento influente.

 (6) Uma visão filosófica frequentemente acusada de autorrefutação é a forma geral de ceticismo, que afirma não existir verdade ou que nada pode ser conhecido. O anticético acusa o cético de cometer o erro acima observado (2) quando: tentando afirmar verdadeiramente que não existem verdades ou reivindicando saber que nada pode ser conhecido. Em resposta, o cético pode (a) abandonar seu ceticismo; ou (b) modificá-lo para excluir suas próprias afirmações (um movimento que pode ser facilmente critica com arbitrário ou autopromoção); ou (c) modificar sua visão para permitir alguma verdade conhecida. A alternativa (c) pode envolver algum tipo de distinção entre verdades de primeira-ordem e verdades de segunda-ordem (i.e, verdades sobre verdades), limitando o ceticismo a afirmações de verdade de primeira-ordem. Mas, é difícil imaginar qualquer razão para ceticismo de primeira-ordem que se aplicaria também ao ceticismo de segunda-ordem. Em todo caso, tal distinção convida, naturalmente, para outros argumentos.

 (7) Immanuel Kant argumentou que a verdade da matemática e da ciência não pode ser provada por dedução racional (como Leibniz) ou apenas pela experiência sensorial (Hume), mas por um argumento “transcendental” que mostra as condições sobre as quais o conhecimento é apenas possível. Negar essa teoria, Kant acreditava, é negar as condições necessárias ao conhecimento enquanto afirma ter conhecimento, uma posição autorrefutável. Afirmações similares, então, têm sido feitas por muitas teorias epistemológicas, algumas muito diferentes da de Kant.

Os Apologistas Cristãos tem, frequentemente, empregado o conceito de autorrefutação contra as alternativas ao Teísmo Cristão. Gordon H. Clark, em A Christian View of Men and Things e em outros escritos, é um dos muitos apologistas que enfatizam as contradições lógicas dos pensadores não-Cristãos, particularmente aqueles que representam o ceticismo. A obra de Stuart Hackett, The Resurrection of Theism, no qual desenvolve uma modificação do Argumento Transcendental de Kant, é outro exemplo de obra apologética na qual esta abordagem é proeminente.

Francis Schaeffer frequentemente empregava o sentido “prático”(4) da autorrefutação. Em The God Who is There (O Deus que Intervém. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 115, 116. [N.T]), Schaeffer refere-se a John Cage, que escreveu música “aleatória” expressando, assim, sua visão de realidade governada pelo puro acaso. Mas Cage, como passatempo, também colhia cogumelos, quando ele veio a dar-se conta de que ele morreria se ele aplicasse sua filosofia do acaso ao recolher cogumelos. Na visão de Schaeffer, Cage refutou a si mesmo naquilo que sua prática era inconsistente com sua teoria.

Cornelius Van Til frequentemente menciona em seus escritos (tais como Essays on Christian Education, p. 89) um homem que ele viu no trem cuja filhinha dava tapas no rosto do pai. Mas, ela não teria alcançado o rosto de pai se ele não a tivesse mantido em seu colo. Van Til usa esse incidente para ilustrar sua visão de que o não-Cristão não pode nem mesmo argumentar contra o Teísmo Cristão sem depender dele. Para argumentar em tudo, mesmo contra o Cristianismo, deve-se pressupor que o mundo é significante, é conhecível e exprimível em linguagem. Na visão de Van Til, apenas o Teísmo Cristão fornece as condições que fazem tão discurso possível. Então, a decisão natural do incrédulo em argumentar contra Deus refuta a si mesmo. Este tipo de autorrefutação é similar a (3) e (4) acima, porque a autorrefutação não se encontra diretamente no conteúdo da asserção, mas na decisão do falante indicar aquela assertiva.

Bibliografia
Gordon H. Clark, A Christian View of Men and Things (Grand Rapids: Eerdmans, 1952).
Stuart Hackett, The Resurrection of Theism (Chicago: Moody Press, 1957).
William Hasker, “Self-Referential Incoherence,” in Robert Audi, ed., The Cambridge Dictionary of Philosophy (Cambridge: Cambridge University Press, 1995), 721.
Francis Schaeffer, The God Who Is There (Chicago: Inter-Varsity Press, 1968).
Cornelius Van Til, Essays on Christian Education (No date: Presbyterian and Reformed, 1974).
Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus (London: Routledge and Kegan Paul, 1921, 1963).


Traduzido por Gaspar de Souza


[1] Diz Wittgenstein: “Minhas proposições elucidam dessa maneira: quem me entende acaba por reconhecê-la como contra-senso, após ter escalado através delas – por elas – para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela.) Deve sobrepujar essas proposições, e então verá o mundo corretamente.(Tractatus, 6.54) – N.T.

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