sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A CRUZ E A ÁRVORE

Digitei no Google Imagens a expressão “Feliz Natal” e “Merry Christmas” e fiquei surpreso com o resultado. O Google informou que foram encontrados, para a expressão “Feliz Natal”, cerca de 5,3 milhões de resultados! Já para a expressão em inglês, o resultado foi cerca 23,3 milhões de imagens. Mas, o que mais chamou a atenção é que os resultados apresentados eram de árvores, papai Noel, guirlandas e outras coisas relativas ao Natal. Vez por outra um presépio, uma manjedoura e coisas relativas a aquilo que se pode chamar de “Natal de Cristo”.

Ao mesmo tempo fico impressionado com a “guerra das árvores” ou “guerra do Natal” acontecendo entre os Cristãos. Para uns, “festa pagã”; para outros, “oportunidade para pregar o Evangelho”. Não sobra espaço para os indiferentes. Esquecendo-se de que existe matéria de opinião[1] de conhecimento e de dúvidas, alguns confundem liberdade com dogma de opinião. Sabendo que uns fazem diferença entre dia e dia, e outros julgam iguais todos os dias, fomos libertados dos rudimentos fracos e pobres que não podem mais escravizar aqueles que têm a mente de Cristo. E, assim, uma vez que sou conhecido por Deus, antes mesmo de conhecê-lo, os antigos rudimentos não têm mais poder sobre mim e, portanto, as querelas sobre dias, meses, tempos, anos, natais, páscoas, aniversários – como apregoam as Testemunhas de Jeová – etc., são fruto de um trabalho que ainda não nos foi proveitoso. Afinal, nenhum de nós vive ou morre para si, mas para o Senhor, pois Dele somos.

Embora admitamos a impossibilidade da neutralidade religiosa, não podemos esquecer também de que apenas Deus é Senhor da consciência e a deixou livre de quaisquer aspectos contrários à sua palavra; e que há certas ocasiões que não são relativas às doutrinas ou matéria de fé ou de culto e que, portanto, ninguém pode exigir ou dispensar a fim de não trair a verdadeira liberdade de consciência.

Sei também que nada convencerá os “fiscais da ortodoxia alheia”. Aqueles que, por não terem “árvores” considerar-se-ão mais “bíblicos” do que aqueles que têm. Trocam a Cruz pela Árvore. A Cruz une os Cristãos até mesmo em suas diferenças. Não é questão de Verdade, visto ser a Cruz a Cruz da Verdade: a verdade que não há um justo sequer; de que Deus é verdadeiro e todos os homens são mentirosos; de que devemos tomar cuidado com o auto-engano de muitas de nossas certezas. A Cruz desfaz os de “Paulo”, os de “Céfas” e os de “Apolo”. A Cruz me livra do Ceticismo e me diz que ela está acima da Árvore. Se alguns querem ou não jogar fora a sua árvore, não deveriam jogar fora a Cruz. Neste caso, não é a Cruz ou a Árvore, um falso dilema imposto por alguns que têm mais medo da Árvore do que da Cruz. Não fui acorrentado numa Árvore. Fui crucificado com Cristo e me glorio não na árvore, mas na Cruz, pela qual o mundo está morto para mim e os ídolos se tornam nulos. E, duvido muito, que os CRISTÃOS tenham alguma glória nas Árvores.

Li, dias desses, um autor que, por não comemorar natal, considerava-se ao lado dos “grandes reformadores” e quem comemorava colocava-se ao lado de Roma. Mais uma vez um falso dilema. Quem, em sã consciência, ao ter uma árvore ou, sei lá, comemorar ou não as festividades natalinas, coloca-se ao lado dos “Grandes Reformadores” ou de “Roma”? No máximo, colocam-se ao lado do “Velhinho Usurpador”, do “Menino Jesus”, do “Comércio” ou de milhares de outras variáveis. Se for para considerar “grande” quem não comemoravam as festividades natalinas, há “grandes” do outro lado também, a menos que não se considere Lutero um dos grandes, ou mesmo Spurgeon, que chamou a ocasião do nascimento do Salvador de “Bendito Natal, que traz tais criaturas como os anjos para confirmar nossa fé na boa vontade de Deus para com os homens”. Foi Calvino – sim, ele mesmo – tão amado e odiado, quem orientou sobre essas questões:

“Com respeito a cerimônias, porque são coisas indiferentes, as igrejas têm uma certa liberdade de variadas opiniões. E quando alguém tem pesado bem o assunto, às vezes pode ser considerado útil não ter uniformidade demasiadamente rígida a respeito destas coisas, a fim de mostrar que a fé e o cristianismo não consistem destas coisas. No entanto, quem, por curiosidade ou outros motivos, tem informado disto a você que eu tenho introduzido novos formas, não tem feito declarações corretas. Meu irmão, Mestre William Farel que está aqui, pode também testemunhar que, antes de minha chegada em Genebra, a maneira de celebrar a Ceia do Senhor, batismo, casamento e os festivais, foi tal como se é agora, sem que eu tenha mudado qualquer coisa. De modo que é impossível nesses pontos atribuir-me qualquer coisa que tem originado comigo. (Letter 395 – To The Seigneurs of Berne – Statement Vindicating the Reformes Introduced into the Church of Geneva, and Complaints Against Several of the Ministers of Berne. Lausanne, March 1555)

Em outra carta, Calvino explica-se:

“Antes de eu chegar à Cidade, não havia festas a não ser o Dia do Senhor. Aqueles comemorados por vocês foram aprovados pelo mesmo decreto público pelo qual Farel e eu fomos expulsos. E isto foi bastante explorado pela tumultuosa violência dos ímpios, que decretou de acordo com a ordem da lei. Desde meu retorno, eu tenho aspirado um curso moderado de manter o dia do nascimento de Cristo como você está acostumado a fazer. Mas, havia ocasiões extraordinárias de orações públicas em outros dias; as lojas eram fechadas no período da manhã e todos voltavam aos seus afazeres depois do almoço. No entanto, houve, todavia, indivíduos inflexíveis que não estavam em conformidade com o costume comum a partir de alguma malícia perversa ou outras coisas. [Para eles] A diversidade não deveria ser tolerada em uma igreja bem constituída: mesmo para cidadãos que não vivem em bons termos com os outros, geraria desconfiança entre os estrangeiros”(Letter 270 – To Haller – Explanations on the Subject of the Abolition of the Great Festivals at Geneva. 2nd January, 1551)

Quando não se distingue a Árvore da Cruz, confunde-se Unidade com Uniformidade. Não me venham, portanto, colocar sobre meus ombros a sua árvore, pois a Cruz já me é suficiente.

Feliz Natal sob a Cruz!

Por Gaspar de Souza


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[1] Esses mesmos não rejeitam as comemorações do “dia do pastor”, da “esposa do pastor”, do “gato e cachorro do pastor”; não rejeitam as “festas de aniversários de suas igrejas”, ou mesmo seus próprios aniversários, bem como outras “festividades”...

Um comentário:

Filósofo Calvinista disse...

Excelente texto. Escrevi sobre os dois lados da moeda que envolve a questão do natal.