segunda-feira, 20 de julho de 2009

Um pouco da dificuldade da línguagem. Será?

A sátira de Ivan Lessa, como sempre, a linha em atravessa a agulha. Agora é sobre o autríaco Wittgenstain. Deixo para o apreço dos leitores.
_______________________________________________________

Ludwig, Betty e Carmen

Há mais coisas entre o céu e a Terra do que em toda sua filosofia, Horácio. Hamlet.” Ou Amleto. Que nós, cortesia da tradução de Onestaldo de Pennafort, nos acostumamos a citar e a encenar como “vã filosofia”.

Questões de métrica. E por métrica, Amleto esculhambou o pobre do Horácio que tinha de aguentar todas as frescuras do empombado príncipe dinamarquês.

Há mesmo mais coisas do que toda filosofia que conhecemos ou fingimos conhecer. Wittgenstein é um bom exemplo. Principalmente porque todo mundo continua, séculos depois de sua morte, tentando entender qual era a do, conforme ele insistia em ser chamado, genial austríaco.

Ludwig Wittgenstein abafou aqui nos meios acadêmicos britânicos. Bertrand Russell ficou tão entusiasmado que quase que leva uma porrada feia na cabeça por causa de uma discussão filosófica.

Deve ter sido qualquer argumento falacioso que ele usou em seu célebre Briefe an Ludwig von Ficker (Salzburgo, 1969).

Ou terá sido a sua filosofada mais citada e que até hoje, como toda boa filosofia, dá panos para manga, como só os grandes alfaiates dão.

É, aquela frase. Manjamos. Aquela de que aquilo de que não se podia falar o melhor era manter um silêncio em torno. Não necessariamente respeitoso. Bastava calar a boca. Que em boca fechada não entra peixe.

A outra grande sacada do bom Wittgenstein foi aquela logo no começo do popular Tractatus.

Aquela que, como em toda gloriosa, e não vã, filosofia, vem sempre precedida de uns numerosinhos. Como se isso fosse facilitar a coisa. Então vejamos. O tal do tratado, suas primeiras linhas.

“1.1 O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas. A totalidade, ainda que dos fatos e não das coisas, é apenas aquilo em cuja dependência surge o nome e a concepção ‘o mundo’, e o nome e a concepção surgidas na dependência de algo que não são esse algo, em cuja dependência surgem aquele nome e aquela concepção. Ademais, a totalidade dos fatos é apenas uma, ao passo que tudo aquilo que é o caso são muitos, razão pela qual esta proposição contradiz a anterior, já em si mesma contraditória.”

Como podemos notar, a coisa não é tão complicada assim. Seguindo as indagações preciosas de Wittgenstein, se não podemos dizer blicas sobre o enunciado, botuca, boneco.

E vai daí. Dos fatos no espaço lógico constituírem o mundo à figuração lógica dos fatos ser o pensamento.

O mágico vienense mandou firme brasa nas gentes acostumadas a uma boa discussão na Flip entre Chico Buarque e Milton Hatoum. Entortaria os dois, mais a platéia e qualquer grande dama do mundo irlandês das letras.

Ludwig Wittgenstein, conforme seus enunciados sibilinos (ao menos para mim), também tinha suas horas de deixar que o mundo fosse tudo aquilo que fosse o caso. Feito eu e você.


Regozijei ao ler sobre o homem que, como todos nós, comia, bebia, chutava chapinha, tinhas seus likes e dislikes.

Principalmente quando soube que ele era vidrado em ficção policial barata – pulp fiction, confere? – e, atenção, Betty Hutton e Carmen Miranda. Precisamente. As chamadas “Loura Incendiária” e “Pequena Notável”.

Era mais do que vidrado. Adorava, punha num altar e queimava incenso diante de pôsteres de uma e outra.

Foi o que revelou David Toop, num livro-ensaio-biografia de Wittgenstein. Infelizmente o tal de Toop cai de pau nas duas. Chama-as de duas das mais desagradáveis estrelas a atingirem e afligirem Hollywood.

O mundo pode ser tudo que é o caso. Com uma única exceção. David Toop. Que não vem ao caso, não tem importância, não foi e nem será convidado para a próxima Flip. O caso é esse.


Postado por Gaspar de Souzaz

2 comentários:

Anônimo disse...

Nunca li nada de Ivan Lessa. Porém, esse pequeno texto já me revelou que ele não tem muita habilidade com a filosofia, principalmente com Wittgenstein. Não negando todo o esforço do autor, o texto que acabo de ler está cheio de equívocos. Só para citar alguns: Em primeiro lugar, Wittgenstein não morreu a muitos séculos, e sim há apenas 6 décadas (1951); Segundo, em nenhum de seus escritos, e em nenhuma biografia a seu respeito, temos a informação de que ele insistia ser chamado de gênio austríaco. Pelo contrário, ele sempre se achava um estúpido e incompetente; Terceiro, em hipótese alguma o Tractatus é um livro popular. Basta apenas pergutar aos estudantes de filosofia quantos já o leram e veremos que essa afirmação é falsa. O mais sério de todos os equívocos, entretanto, e em quarto lugar, é a interpretação das duas primeiras linhas do Tractatus aqui apresentada. A consideração do mundo como a totalidade dos fatos e não das coisas é apenas uma coluna da ontologia wittgensteiniana, que jamais poderá ser corretamente interpretada sem que consideremos profunda e seriamente o aparato lógico-linguístico apresentado no Tractatus. E, como lemos, Ivan Lessa nem sequer citou adequadamente o aforismo, quanto mais interpretá-lo corretamente!?
Enfim, até que ponto Wittgenstein "adorava" Betty Hutton e Carmem Miranda, é duvidoso, mas, pelo texto, estou convicto e tenho a plena certeza que Ivan Lessa não sabe nada sobre a filosofia de Wittgenstein.
Gerson.

Gaspar de Souza disse...

Olá, Gerson. Obrigado pelo comentário esclarecedor acerca do Wittgenstein. Mas, acredito que não seja isso que o Ivan Lessa queira tratar. Logo no início eu disse que era uma sátira do autor, como pode ser visto na frase "em boca fechada não entra peixe", quando o ditado diz "não entra mosquito/mosca".
De qualquer forma, seus comentários esclarecem para o leitor o limite entre a seriedade e a sátira. Continue a nos prestigiar com seus comentários.